De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” 17/12/1914 - Rui Barbosa

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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A política do deboche

A política do deboche

07 de setembro de 2010
O Estado de S.Paulo
Quanto mais se acumulam as evidências de que o PT é o mentor do crime continuado da devassa na Receita Federal, de dados sigilosos de aliados e familiares do candidato presidencial do PSDB, José Serra, tanto mais o presidente Lula apela para o escárnio. É assim, desenvolto diante da exposição das novas baixezas de sua gente, que ele procura desqualificar as denúncias de que as violações tinham a única serventia de reunir material que pudesse ser utilizado contra os adversários da candidata governista, Dilma Rousseff.
Do mensalão para cá, essa atitude só se acentuou. No escândalo da compra de votos no Congresso Nacional, em 2005, ele ficou batendo na tecla de que não sabia de nada e que, de mais a mais, o que a companheirada tinha aprontado - diluído na versão de que tudo se resumia a um caso de montagem de caixa 2 - era o que se fazia comumente na política brasileira. Depois, propagou e mandou propagar a confortável teoria de que as acusações eram parte de uma "conspiração das elites" para apeá-lo do poder. Mas não chegou a zombar acintosamente das revelações que iriam ficar gravadas na história de seu partido.
Já no ano seguinte, quando a polícia detonou a tentativa de um grupo de petistas, entre eles o churrasqueiro preferido de Lula, de comprar um falso dossiê contra o mesmo José Serra, então candidato a governador de São Paulo, o presidente incorporou ao léxico político nacional o termo "aloprados" com que, para mascarar a gravidade do episódio, se referiu aos participantes da torpeza. Agora, enquanto escondia a sua escolhida - acusada pelo tucano como responsável, em última instância, pela fabricação de novo dossiê com os documentos subtraídos do Fisco -, o presidente se abandonou ao cinismo.
No fim da semana, em um comício em Guarulhos, na Grande São Paulo, a que Dilma não compareceu, ele acusou Serra de transformar a família em vítima. Ou seja, o que vitimou a filha do candidato não foi a comprovada captura de suas declarações de renda por um personagem do submundo - cuja filiação ao PT só não se consumou por um erro de grafia de seu nome -, mas o "baixo nível" da campanha do pai, que tratou do escândalo no horário de propaganda eleitoral. E ele o teria feito porque "o bicho está em uma raiva só" diante dos resultados desfavoráveis das pesquisas eleitorais. "É próprio de quem não sabe nadar e se debate até morrer afogado", desdenhou.
O auge da avacalhação - para usar uma palavra decerto ao gosto do palanqueiro Lula - foi ele perguntar retoricamente: "Cadê esse tal de sigilo que não apareceu até agora? Cadê os vazamentos?" Se é da filha de Serra que ele falava, o sigilo vazou para os diversos blogs lulistas que publicaram informações a seu respeito que só poderiam ter sido obtidas a partir do acesso ilícito aos seus dados fiscais. E o presidente sabe disso desde janeiro, quando o ainda governador Serra o alertou para a "armação" contra seus familiares na internet. Confrontado com o fato, Lula disse, sem ruborizar-se, ter coisas mais sérias para cuidar do que das "dores de cotovelo do Serra".
Se, no comício, a sua pergunta farsesca tratava das outras pessoas ligadas ao candidato, como, em especial, o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, o sigilo vazou para membros do chamado "grupo de inteligência" da candidatura Dilma. No caso de Eduardo Jorge, aliás, a invasão não se limitou à delegacia da Receita em Mauá, no ABC paulista, a primeira cena identificada do crime. Na última quinta-feira, o Estado revelou que um analista tributário lotado na cidade mineira de Formiga, Gilberto Souza Amarante, acessou dez vezes em um mesmo dia os dados cadastrais do tucano. O funcionário é petista de carteirinha desde 2001.
Ninguém mais do que Lula, com o seu imitigado deboche, há de ter contribuído tanto para a "maria-mole moral" em que o País atolou, na apropriada expressão do jurista Carlos Ari Sundfeld, em entrevista no Estado de domingo. Nem a bonança econômica nem os avanços sociais podem obscurecer o perverso legado do lulismo. Por minar os fundamentos das instituições democráticas, essa é hoje a mais desafiadora questão política nacional.
Impressão digital
07 de setembro de 2010 
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Um filiado ao PT diretamente envolvido na quebra de sigilo de parentes e correligionários do candidato do PSDB pode ser coincidência. Dois também, mas já fica difícil de acreditar que não seja impressão digital.
A alegação de que não se pode ligar a quebra de sigilos fiscais à campanha eleitoral porque não há conexão entre o calendário das eleições e os atos, ocorridos em 2009, é sofisma puro.
Admitir o argumento como verossímil equivale a aceitar que o presidente Luiz Inácio da Silva só tenha começado a fazer campanha para Dilma Rousseff em abril de 2010, quando ela deixou a Casa Civil para se tornar pré-candidata à Presidência da República.
Não sendo sustentadas por inépcia de raciocínio - por impossível semelhante grau de indigência mental -, determinadas hipóteses só se pode admitir que estejam pautadas pela má-fé.
Ainda assim, são divulgadas como se fossem silogismos da mais pura correção lógica.
O presidente do PT, José Eduardo Dutra, por exemplo, é um que sofisma naquele sentido. Dilma é outra. Segundo ela, em abril de 2009, quando o petista (o segundo descoberto agora) Gilberto Amarante acionou as informações sigilosas de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, nenhuma das candidaturas hoje em disputa estava definida.
É também - mas não só - por isso que é impossível estabelecer diálogo minimamente maduro com esse pessoal que de um determinado momento em diante rompeu qualquer compromisso com a racionalidade e passou a só se relacionar com a panfletagem, para não dizer com a mentira.
Ora, então quer dizer que no ano passado o PT tinha outro nome em vista? Significa que Dutra imaginava sinceramente que o candidato do PSDB pudesse ser outro que não José Serra, candidato a presidente em 2010 desde a derrota de 2002?
O PT, o governo e a campanha estão se enrolando e pior: percebem que pegaram a trilha errada ao tentar esconder informações, influir em investigações e manipular dados porque acabaram deixando pistas desnecessárias.
Agora tentam sair da enrascada aos tropeços. Lula faz piadas de mau gosto - "sigilo, cadê esse tal de sigilo?" -, Mantega expõe a Receita à desmoralização, Dilma pede calma e tenta chamar atenção para os adversários.
Deu para reclamar que não vê divulgado algo que a "intriga": o fato de o jornalista Amaury Ribeiro trabalhar no jornal Estado de Minas na época em que investigava as pessoas que tiveram os sigilos violados, para compor um livro de denúncias sobre as privatizações no governo Fernando Henrique.
Já se divulgou isso, inclusive porque o próprio comitê da campanha do PT o fez. Dutra tocou diversas vezes no assunto no Twitter, mas, como Dilma, nunca falou claro.
Querem dizer que o Estado de Minas é uma espécie de diário oficial do governo de Minas Gerais e que, por isso, Amaury estaria fazendo um serviço a mando de Aécio Neves para atrapalhar a candidatura de Serra à Presidência dentro do PSDB.
E por que não repetem em público o que falam pelos cantos?
Porque a insinuação perderia o efeito e ainda poderiam ser chamados a provar a acusação contra o amigo Aécio.
O presidente do PT pediu para que a Polícia Federal ouça Amaury Ribeiro. Naturalmente para que ele diga que o PSDB está fazendo confusão entre dossiê e informações coletadas para a confecção do tal livro e, assim, reforce as suspeitas de que a história toda surgiu de uma briga interna entre tucanos.
Muito bem, e daí? E se tiver surgido?
O que fazia Amaury Ribeiro trabalhando para o grupo de "inteligência" da campanha de Dilma? E esses petistas envolvidos diretamente no acesso às declarações de renda Receita?
E a Receita, por que omitiu informações das investigações? E o ministro da Fazenda, por que não foi ao Congresso falar do caso e quando falou preferiu desmoralizar a Receita a estabelecer um elo mínimo que fosse com a campanha?
Essas pessoas todas, essa trapalhada que se houver gente séria nesse País acaba mal foi mobilizada dessa forma para que, para proteger os tucanos? É só o que falta ser dito.



Merval Pereira
Democracia em perigo

A face mais dura do aparelhamento do Estado brasileiro por forças políticas está sendo revelada nesse episódio da quebra do sigilo fiscal da filha do candidato do PSDB à Presidência da República. Em um país sério, o secretário da Receita já teria se demitido, envergonhado, ou estaria demitido pelo seu chefe, o ministro da Fazenda Guido Mantega. E alguém acabaria na cadeia.
Ao contrário, o secretário Otacílio Cartaxo tentou até onde pôde minimizar a situação, preferindo despolitizar o caso e desmoralizar sua repartição.
Ao mesmo tempo surgem de vários lados do governo tentativas de contornar o problema, ora atribuindo à própria vítima a culpa da quebra de seu sigilo fiscal, ora sugerindo que uma disputa política dentro do próprio PSDB poderia ter gerado a quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra.
Uma análise muito encontradiça entre os políticos governistas é de que as denúncias, tendo aparecido em período eleitoral, perdem muito de sua credibilidade e de seu poder de influenciar o voto do eleitor, ficam com sabor "eleitoreiro".
Como se essa fosse a questão central. Pensamentos e atos de quem não tem espírito público.
O aparelhamento político da máquina pública não ocasiona apenas a ineficiência dos serviços, o que fica patente em casos como o dos Correios, outrora uma empresa exemplar e que se transformou em um cabide de empregos que gera mais escândalos de corrupção do que seria possível supor.
Dessa vez a revelação de que a Receita Federal transformou-se em um balcão de negócios onde o sigilo fiscal dos cidadãos brasileiros está à venda, seja por motivos meramente pecuniários, seja por razões políticas, coloca em xeque uma instituição que, até bem pouco tempo, era respeitada por sua eficiência e pelo absoluto respeito aos direitos dos cidadãos.
O episódio da quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB Eduardo Jorge Caldas Pereira, de três pessoas ligadas de alguma maneira ao partido ou ao candidato oposicionista e, mais grave, da sua filha, mostra que diversas agências da Receita Federal são utilizadas para práticas criminosas, não apenas a de Mauá, que se transformou em um local onde se compra e se vende o sigilo de qualquer um.
O sigilo de Verônica Serra foi quebrado na agência de Santo André, numa demonstração de que se vulgarizou a privacidade dos contribuintes brasileiros.
Não terá sido coincidência que, além de Verônica, os nomes ligados ao PSDB que tiveram seu sigilo fiscal quebrado - Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Marin Preciado - sejam personagens de um suposto livro que o jornalista Amaury Ribeiro Junior estaria escrevendo com denúncias sobre o processo de privatizações ocorrido no país durante o governo de Fernando Henrique.
O jornalista fazia parte do grupo de comunicação da campanha de Dilma Rousseff, subordinado a Luiz Lanzetta, e os dois tiveram encontro com um notório araponga tentando contratá-lo para serviços de espionagem que incluíam grampear o próprio candidato tucano à Presidência.
Além da denúncia do araponga, delegado aposentado da Polícia Federal Onésimo de Souza, feita no Congresso, outro ator do submundo petista surgiu nos últimos dias denunciando manobras criminosas nas campanhas eleitorais.
Wagner Cinchetto, conhecido sindicalista, afirmou ao "Estado de S. Paulo" e à revista "Veja" que o núcleo envolvido com a violação de sigilo fiscal de tucanos na ação da Receita é uma extensão do grupo de inteligência criado em 2002 por lideranças do PT.
Ele diz ter certeza de que os mesmos personagens atuam nos dois episódios. Revelou que o escândalo que levou ao fim a candidatura de Roseana Sarney em 2002 foi montado por esse grupo petista para incriminar o então candidato tucano à Presidência, José Serra, que foi considerado responsável pela denúncia pela família Sarney.
Até mesmo um fax teria sido enviado ao Palácio do Planalto para dar a impressão de que a Polícia Federal havia trabalhado sob a orientação do governo de Fernando Henrique.
No caso atual, os diversos órgãos do governo envolvidos na apuração - Polícia Federal, Receita Federal, Ministério da Fazenda - tiveram atuação leniente, e foram os jornais que descobriram rapidamente que a procuração era completamente falsa, desde a assinatura de Verônica Serra até o carimbo do Cartório do 16º Tabelião de Notas de São Paulo, onde aliás Verônica nunca teve firma.
Não basta a Receita dizer que por causa de uma procuração está tudo legal. Não faz sentido que qualquer pessoa que apareça em qualquer agência da Receita Federal com uma procuração possa ter acesso a dados sigilosos.
Aliás, o pedido em si não faz o menor sentido. Então o contribuinte que declara seu imposto de renda não tem uma cópia?
Agora, que quase todo mundo declara pela internet, como não ter uma gravação da declaração?
A funcionária da Receita que achou normal a apresentação da procuração deveria ter desconfiado de alguma coisa, pelo menos do fato de uma pessoa que declara seu imposto de renda na capital de São Paulo mandar um procurador a uma agência de Santo André para ter acesso a uma cópia.
O contador Antônio Carlos Atella Ferreira admitiu que foi ele quem retirou cópias das declarações de IR de Verônica Serra na agência da Receita Federal em Santo André, mas alega que fez isso por encomenda de uma pessoa que "queria prejudicar Serra".
Mais uma história mal contada. E tudo leva ao que aconteceu em 2006, quando um grupo de petistas ligados diretamente à campanha de Aloizio Mercadante e à direção nacional do PT foi preso em flagrante tentando comprar um dossiê, com uma montanha de dinheiro vivo, contra Serra, candidato ao governo de São Paulo, e Alckmin, o candidato tucano à Presidência.
O presidente chamou-os de "aloprados", indignado nem tanto com o episódio em si, mas com a burrice de seus correligionários que acabaram impedindo que ganhasse a eleição no primeiro turno.
Hoje o caso é mais grave, pois envolve um órgão do Estado que deveria proteger o sigilo de seus cidadãos.
O que menos importa é se a repercussão do caso influenciará o resultado da eleição. O grave é a ameaça ao estado de direito embutida nesse uso da máquina pública para chantagem eleitoral.

(Publicação do jornal “O Globo”, em 2 de setembro de 2010, inserido na Resenha do CComSEx)


Míriam Leitão
A perdedora

Já se sabe quem perdeu a eleição de 2010: a Receita Federal. O órgão sai dessa campanha com uma queda violenta de credibilidade. Pelo que fez, pelo que deixou de fazer, pelo que deixou que fizessem em suas repartições, a Receita que tinha o respeito dos brasileiros - e o temor dos sonegadores - hoje está reduzida a um braço de um partido político.
A violação do sigilo fiscal da filha do candidato José Serra é daqueles fatos que acabam com quaisquer dúvidas que por acaso ainda persistiam. A resposta dada pela Receita de que interposta pessoa levou procuração pedindo para quebrar o sigilo da contribuinte foi espantosamente grosseira. Quem pare um minuto para pensar na explicação do órgão sabe que não faz sentido algum. Quer dizer então que uma pessoa com documento falsificado pode pedir informações protegidas? As primeiras apurações derrubaram a versão oficial.
Na campanha governista a avaliação é que este assunto não terá impacto eleitoral porque apenas alguns milhões de brasileiros declaram imposto de renda no país. Isso equivale a dizer que crimes que atingem poucos eleitores podem ser cometidos, sem problema, desde que não ponham em risco a eleição da candidata do governo.
A atual direção da Receita tem cometido erros sequenciais. Não presta as informações necessárias, protela deliberadamente o esclarecimento do assunto, dá explicações inaceitáveis para os fatos dos quais não consegue escapar. Num dos seus piores momentos, a Receita Federal quis garantir que não era um evento com motivações políticas, explicando que era um caso de corrupção. Se há um balcão de compra e venda de informações sigilosas num órgão que tem a prerrogativa de ser a guardiã desse sigilo, é gravíssimo. Isso não atenua o descalabro.
No caso de ser uma espionagem política, e com fins bem óbvios, é preciso que se saiba tudo antes do fim do pleito. É urgente que se faça uma investigação que acabe com as dúvidas e não as aumente.
Há um claro exagero do PSDB em pedir a cassação do registro da candidata que está em tão confortável vantagem nas intenções de voto. Por outro lado, Dilma Rousseff, seu entorno, e o governo têm feito declarações espantosamente amenas ou equivocadas diante da gravidade do caso. Reiteradamente eles têm tentado subestimar o que está acontecendo dizendo que é briga de campanha. Dilma disse esta semana que o PSDB "tem trajetória de vazamentos e grampos expressiva." Falou para justificar os fatos que estão sendo divulgados. Referiu-se ao caso das fitas gravadas no BNDES. Não há qualquer comparação possível. As fitas do BNDES tentavam comprometer pessoas do próprio governo - e não políticos de um partido adversário em campanha. Elas foram resultado de gravação ilegal, as pessoas foram identificadas, e foram condenadas.
A candidata precisa mostrar seriedade no trato dessa questão - ainda que tarde. Esse tipo de resposta criada por assessor pode dar a impressão de esperteza, mas o que passa é a convicção de que está se aceitando como banal e corriqueiro o que é inaceitável, a quebra de um princípio constitucional.
O Estado não pode ser usado pelo partido que está temporariamente no poder para espionar adversários políticos. Foi isso que derrubou o então presidente Richard Nixon no caso Watergate. É preciso restaurar a noção da dimensão do crime de usar a máquina para espionar e usar informações, entregues ao Estado, como parte da guerra eleitoral. A luta tem que ser travada apenas em torno de ideias, projetos, estilos de governo.
O secretário Otacílio Cartaxo disse que a Receita foi "pega de surpresa" e que "está traumatizada". Causa com isso novos danos à imagem do órgão, que sempre teve reputação de competência. Quebra-se o sigilo fiscal em bases seriais e o fato nem é notado, monta-se um balcão de compra e venda e isso só vem a público pela imprensa.
Para evitar o trauma, a Receita precisa rapidamente trabalhar para mitigar o dano à sua imagem. Isso só se faz se houver uma apuração rigorosa e ágil. A demora nesse caso deixará a impressão de acobertamento. E se for isso a desconfiança se espalhará por toda a instituição.
No governo Lula, o aparelhamento de alguns órgãos ficou acima do tolerável. Como o que acontece com o Ipea, por exemplo. O órgão não foi usado nem mesmo pelos militares durante a ditadura, e, ao contrário, tornou-se uma espécie de centro de pensamento crítico que produziu análises valiosas para o país. Agora virou estação repetidora do partido. A qualidade dos estudos comandados pela presidência do órgão é sofrível. A imagem do instituto só não está inteiramente demolida porque alguns resistentes, ainda que marginalizados, continuam mantendo a capacidade de produção de informação de qualidade no órgão. Mas hoje, o Ipea, com seus exóticos escritórios em Havana e Caracas, é uma sombra do que foi nos anos em que sua inteligência foi tão útil ao país.
O primeiro sinal de que a Receita Federal não era mais um território protegido do uso indevido aconteceu na queda da ex-secretária Lina Vieira, derrubada por ter dado informações que constrangeram a hoje candidata Dilma Rousseff. O caso nunca foi suficientemente esclarecido. Até o fato de não haver ainda a foto dela na parede dos ex-secretários da Receita é um sinal estranho. Lembra os regimes autoritários que mudam a história pregressa e apagam personagens que incomodam.
Construir a reputação de seriedade, competência e neutralidade da Receita Federal custou muito trabalho. Esse patrimônio está sendo destruído nessa eleição. É ela, a Receita, a perdedora. Mais do que as vítimas da espionagem.

(Publicação do jornal “O Globo”, em 2 de setembro de 2010, inserido na Resenha do CComSEx)

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